Santa Marta – duas semanas no morro (idem) – Brasil (1987)
Direção: Eduardo Coutinho
Roteiro: Eduardo Coutinho
O dia-a-dia dos moradores do morro de Santa Marta, zona sul do Rio de Janeiro.
“Houve porém um incidente durante as filmagens, expressivo do era a “calmaria” e o nível de violência capaz de se manifestar ao menor contratempo. A maleta com o equipamento de som foi roubada, e a associação de moradores avisou ao tráfico. Quando a equipe voltou ao morro no dia seguinte, um adolescente armado lhe disse: “A gente pode ter que matar, mas vocês terão o material em menos de 24 horas.” Foram 24 horas exatas. Pelo que foi apurado, o roubo fora cometido por dois adolescentes, e eles apanharam a noite toda. Talvez um eles tenha levado um tiro na mão”.
“Se Santa Marta é ou não o primeiro documentário a registrar o cotidiano dos moradores de uma favela, essa é uma questão secundária. Podemos ao menos constatar que esse filme recoloca de vez o universo da favela como questão a ser pensada pelo documentário brasileiro. A constatação pode parecer estranha, hoje, quando imagens das favelas estão fortemente presentes em inúmeros documentários (...). Mas aquele era o contexto do documentário brasileiro na época. A favela aparecia na mídia, mas na maior parte das vezes de forma negativa.”
ASSISTA O DOCUMENTÁRIO:
Santa Marta: Duas Semanas no Morro from Poa Resiste on Vimeo.
“A sequencia em que acompanhamos a conversa da equipe com vários adolescentes é de uma tristeza sem par, tamanho o grau de consciência em relação às suas expectativas de vida e de trabalho. Há um mesmo tipo de formulação gramatical – “Eu gostaria de ser”, “Eu pensava em ser”, “Eu queria ser” – e uma mesma constatação: “O que eu quero ser na vida eu sei que nunca vou ser.” Alguns desejos são aos nossos olhos bastante simples: marinheira, professora, trabalhar com computador. Mesmo assim a impossibilidade é a mesma daquele que quer ser advogado. A reação mais comum é de aceitação: ‘Vou tentar ser dentro da norma uma coisa que eu conseguir, se eu for ali e arrumar um negócio de gari, o que eu posso fazer? Vou ter que ser aquilo.’”
“Entre esses garotos está o futuro traficante Marcinho VP, mas resistente ao “roteiro” preparado para ele. Reclama da inexistência de universidades para pobres e diz que trabalho para ele é difícil,
... porque o trabalho que eles querem dar pra gente é um trabalho que a gente não quer. Eles querem que a gente continue sendo gari, continue sendo o que a gente não é. A gente não quer ser isso. Eu, por exemplo, queria ser desenhista profissional, [mas] posso não conseguir, se eu não conseguir, é aquele lance, sou pobre, não vou ligar tanto.
Marcinho VP entrou para o tráfico um pouco depois desse documentário; foi preso em 2000, condenado a 27 anos de prisão e assassinado em sua cela, no presídio de segurança máxima de Bangu-3, no Rio de Janeiro, no final de julho de 2003.”
“Qualquer reportagem televisiva repete a relação de subordinação da imagem à narração em off; os entrevistados tornam-se facilmente “tipos” e, na maior parte dos casos, são editados de modo a provar a veracidade do que o repórter está dizendo.”
“Nos filmes de Coutinho, os moradores da favela não estão condenados a nada. Encontram-se evidentemente inseridos em um contexto histórico, sofrem de males comuns, possuem um perfil sociológico, mas de maneira nenhuma se reduzem a ele. (...) As pessoas não são exibidas como exemplos de nada. Não são tipos psicossociais – ‘o morador da favela’, ‘o catador de lixo’, ‘o crente’, ‘o classe média’, ‘o operárioa’ -, não fazem parte de uma estatística, não justificam nem provam uma ideia central, não são vistas como parte de um todo.”
Trechos do livro O Documentário de Eduardo Coutinho – televisão, cinema e vídeo, de Consuelo Lins; editor, Jorge Zahar.
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